A mais grave crise de saúde pública dos últimos 100 anos exigiu mudança de comportamento da população, das empresas e das instituições. O Senado foi obrigado a se adaptar — e rapidamente — para continuar em operação. Aprovações de projetos, sessões remotas, medidas sanitárias e até restrição de acesso às dependências da Casa foram necessárias para o funcionamento ininterrupto das atividades parlamentares.
A primeira intervenção importante dos senadores foi logo em fevereiro, quando a pandemia já havia atingido a região de Wuhan, região central da China. Eles demonstraram apoio ao governo na missão de resgate dos brasileiros retidos em solo chinês. No dia 5 daquele mês, dois aviões VC-2, com capacidade para 30 passageiros, cada, decolaram de Brasília para buscá-los. No retorno ao Brasil, eles tiveram que cumprir uma quarentena no hotel de trânsito da Base Aérea de Anápolis (GO).
No mesmo dia 5, os senadores aprovaram a primeira proposta legislativa sobre o tema: um projeto para regulamentar as medidas que seriam adotadas pelas autoridades sanitárias em caso de emergência de saúde pública (PL 23/2020). Enviada pelo Executivo em regime de urgência, a proposição fora aprovada pela Câmara dos Deputados no dia anterior e foi imediatamente à sanção presidencial. Havia previsão de isolamento, quarentena e fechamento de portos e aeroportos pelo país.
Restrição de acesso
Em 11 de março, no dia em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu oficialmente a pandemia, a Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) foi a primeira do Senado a realizar uma audiência pública sobre o problema. O então secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, previu o aumento abrupto dos casos e lembrou que o país entraria na transmissão comunitária, em que as pessoas contrairiam o vírus sem saber onde e quando.
Com o avanço de casos no mundo e também no Brasil, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu tomar uma medida drástica: restringir o acesso às dependências da Casa. Apenas passaram a ter permissão para entrar no Senado parlamentares, servidores, funcionários terceirizados, jornalistas, assessores de órgãos públicos, fornecedores e alguns visitantes autorizados.
O Senado também não mais autorizou viagens oficiais de senadores e funcionários para o exterior. Além disso, foi determinada a criação de um comitê de acompanhamento da doença.
Na sequência, em 13 de março, o presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), Paulo Paim (PT-RS) anunciou a suspensão das atividades do colegiado e o cancelamento das audiências. Enquanto isso, os primeiros senadores decidiam também fechar seus gabinetes.
Em 17 de março, foi realizada a última atividade totalmente presencial dentro do Senado: uma reunião da comissão mista que analisava a MP 905/2019, que estabelecia uma nova modalidade de contrato de trabalho, chamado Contrato Verde e Amarelo.
Primeiro positivo
Aquela semana terminaria com mais uma notícia ruim. O presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE), Nelsinho Trad (PSD-MS), informou ter testado positivo. Foi o primeiro senador a se contaminar. Ele tinha representado o Senado em uma viagem aos Estados Unidos com o presidente Jair Bolsonaro no início do mês.
Desde então, outros 16 senadores já testaram positivo e houve um óbito. Arolde de Oliveira (PSD-RJ) faleceu em 21 de outubro aos 83 anos. O representante do Rio de Janeiro não resistiu a complicações da doença. Atualmente, há um senador internado, José Maranhão (MDB-PB), de 87 anos, que vem lutando contra uma grave insuficiência respiratória provocada pelo coronavírus.
Votação histórica
A crise exigia providências rápidas. E o dia 20 de março entrou para a história. Pela primeira vez nos 196 anos do Senado, os parlamentares votaram sem estarem presentes fisicamente no Plenário, graças ao recém-criado Sistema de Deliberação Remota (SDR). O primeiro texto votado foi o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 88/20, reconhecendo o estado de calamidade pública para permitir que o governo federal gaste mais do que o previsto e desobedeça às metas fiscais para custear ações de combate à pandemia.
Os senadores destacaram o feito e lembraram que o Senado foi o primeiro Parlamento do mundo a realizar votações remotas.
— Nesta sessão, que reputo histórica, estamos iniciando algo que é inédito. O Senado não se furtará, neste momento, em deliberar — apontou o senador Antonio Anastasia (PSD-MG), que presidiu a sessão, visto que Dalvi Alcolumbre, presidente do Senado, havia testado positivo à época.
As deliberações remotas foram usadas também posteriormente pelo Congresso Nacional. No dia 2 de abril foi realizada a primeira sessão com os parlamentares participando à distância. Para organizar os trabalhos de forma remota, deputados votaram pela manhã; e senadores, à tarde.
Comissão mista
As crises econômicas e sanitárias exigiram do governo federal uma série de providências orçamentárias. Para cumprir uma das missões do Legislativo — que é fiscalizar —, Câmara e Senado instalaram no dia 20 de abril uma comissão mista para acompanhar as ações do governo contra o coronavírus, que ainda está em atividade. O senador Confúcio Moura (MDB-RO) foi eleito presidente; e a relatoria ficou a cargo do deputado Francisco Jr (PSD-GO).
Desde então, o colegiado já realizou mais de 40 reuniões, incluindo audiências públicas com representantes dos mais diversos segmentos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, já esteve na comissão em cinco oportunidades: a primeira em 30 de abril, e a última em 11 de dezembro, quando garantiu que não faltarão recursos para as vacinas.
Propostas legislativas
Ao longo da pandemia, o Senado continuou realizando sessões semipresenciais e totalmente remotas, de modo que as deliberações não foram paralisadas. Entre os projetos aprovados, destaca-se, por exemplo, o PL 1.066/2020, que criou o auxílio emergencial de R$ 600 a ser pago a trabalhadores informais de baixa renda, benefício que ficou popularmente conhecido como coronavoucher. O texto passou no Senado em 30 de março, cinco dias após ter sido aprovado pelos deputados.
Se era necessário ajudar as pessoas físicas, as empresas igualmente foram alvo de preocupação constante dos parlamentares. Para socorrê-las, um dos projetos mais importantes aprovados foi o PL 1.282/2020, que instituiu o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), para ajudar os pequenos negócios e preservar empregos. O texto foi aprovado em decisão final pelo Senado em 24 de abril.
Para que o governo pudesse realizar todas as ações necessárias no combate à pandemia, foi necessário mexer na Constituição. Por isso, o Legislativo votou a PEC do Orçamento de Guerra (10/2020), separando os gastos com a pandemia do Orçamento da União. O texto foi promulgado em 8 de maio, em sessão remota, com deputados e senadores acompanhando o evento a distância, por meio de tablets, celulares ou notebooks.
Votação por drive-thru
As sabatinas e escolhas de autoridades indicadas para tribunais, conselhos, embaixadas e agências reguladoras foram se acumulando desde o início da pandemia, obrigando o Senado a criar um sistema de deliberação que garantisse a segurança do voto secreto dos parlamentares.
Após seis meses sem deliberações presenciais, os senadores voltaram em 21 de setembro para um esforço concentrado em sessões semipresenciais. As sabatinas com os indicados foram realizadas por videoconferência, mas as respectivas votações foram presenciais. Para viabilizar isso, foi organizado um esquema de votação em totens eletrônicos espalhados pelo Senado, inclusive em formato drive-thru.
O objetivo foi seguir as recomendações de distanciamento, como forma de evitar o contágio e a propagação do coronavírus, e viabilizar a forma secreta de votação de autoridades, conforme previsão constitucional. O sistema deu certo, e continuou sendo usado até o fim da legislatura em outras semanas em que também houve esforço concentrado.
Sucesso remoto
As sistemáticas de votação remota e semipresencial adotadas pelo Senado foram consideradas bem-sucedidas pelo secretário-geral da Mesa, Luiz Fernando Bandeira de Melo. Todavia, ele lembra, que tais modalidades são temporárias e que não são substituto para deliberações presenciais no Plenário e nas comissões.
— Trata-se de uma ferramenta criada para não deixar que as atividades legislativas parassem. E, para essa finalidade, foi um sucesso. Senado e Câmara conseguiram continuar deliberando, porém acredito que há uma limitação da atividade parlamentar. Sem dúvida, o Parlamento é o Plenário cheio e as comissões funcionando permanentemente — avaliou à Agência Senado.
Ele acredita que, futuramente, o sistema pode até ser usado, por exemplo, em audiências públicas ou sabatinas de diplomatas de forma eventual, evitando o deslocamento do sabatinado, que pode estar do outro lado do mundo.
— Mas as deliberações e votações voltarão à normalidade assim que a pandemia estiver sob controle — destacou.
Fonte: Agência Senado